sexta-feira, 9 de julho de 2010

Dança, emoção, ajuda

Caro Leitor,

Meu nome é Thandara Bomfim Yung, sou estudante de jornalismo e bailarina do grupo de Dança de Rua Rota Brasil. Venho, por meio desta carta, te contar uma história de amor e compromisso e fazer um pedido de ajuda.


As luzes do teatro piscam duas vezes, é o sinal para avisar que o espetáculo está prestes a começar. Na plateia, o público ocupa seus lugares aos poucos. A casa está cheia. Mães, amigos e espectadores fiéis se acomodam, curiosos para mais um show de dança. Qual seria a novidade dessa vez? O que o Rota Brasil colocaria em palco para arrancar o fôlego e os gritos da plateia?

Enquanto a plateia se acomoda e espera o apagar das luzes e o abrir das cortinas, 32 pessoas se abraçam no camarim, bailarinos. Todos com o mesmo pensamento, o grupo Rota Brasil faz sua prece, pede por proteção e por uma boa apresentação. Após o grito de guerra, que prega por “raça, força e determinação”, o grupo se prepara para entrar no palco. A ideia é que cada bailarino termine a apresentação arrepiado de emoção, apoie os companheiros, tire o fôlego do público e deixe a “Tia Nô” – diretora do grupo – satisfeita com a apresentação. Não basta dançar bem, tem que deixar marcado, tem que fazer com que as pessoas queiram voltar outras vezes para assistir o grupo.

Está quase na hora. Da cochia, de mãos suadas e com frio na barriga, os bailarinos do Rota assistem a outras apresentações. Em pouco mais de um minuto, a atenção de 300 pessoas estará completamente voltada para eles, é a chance de fazer bonito, e mostrar que vale à pena. As luzes se apagam, o locutor anuncia “Grupo Rota Brasil”, a plateia aplaude, um último sinal da cruz como proteção, uma inspirada mais profunda para acalmar os ânimos, o pé direito no palco.

Quando se dança com vontade, é impossível lembrar o que aconteceu no palco. O técnico do som aperta o play. A música contagia o corpo, invade a alma, o corpo se movimenta por conta própria. Não é preciso pensar, a dança vem e flui dentro de cada um. Não há o que lembrar, por cinco minutos, o cérebro desliga e o corpo dança por sentimento. Então, a música pára, as luzes apagam, os aplausos recomeçam, o corpo arrepia. Quando a luz acende novamente, o grupo agradece – ao público e a Deus, as preces foram alcançadas. O sorriso costurado no rosto, a respiração ofegante, o suor escorrendo e a sensação de dever cumprido.


Tentei mostrar um pouco do que dançar significa para os bailarinos do grupo. A maioria dos jovens do grupo – com idade entre 12 e 26 anos – usa a dança como válvula de escape. É o momento em que se sentem especiais, tomam consciência de que fazem parte de algo grande e importante. De que as longas horas de ensaio valem à pena. Dentro do palco, não importa quem tem ou não dinheiro, onde você mora, onde estuda ou se seus pais estão se divorciando. Em cima do palco 32 almas se tornam uma, para dançar e esquecer todo o resto.

Mas a falta de dinheiro não faz diferença apenas em cima do palco. É maravilhoso dançar, e encantar o público. Mas o grupo busca por mais e, para ter seu trabalho cada vez mais reconhecido, viaja para competir em festivais nacionais e internacionais. Por muitos anos, o grupo foi o único representante do Distrito Federal nessas competições e trouxe vários prêmios para casa. Os festivais acontecem, normalmente, nos estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Para competir, o Rota Brasil precisa viajar, e a verba nem sempre é suficiente. Seria hipocrisia afirmar que somos um grupo composto apenas por jovens carentes, mas essa realidade é muito presente no nosso elenco. E como grupo, se não dá para ir todo mundo, não vai ninguém. Unido, o Rota Brasil sempre se virou para conseguir dinheiro, dançou em festa infantil, vendeu comida em barraquinha de festa junina, promoveu eventos e apresentações para arrecadação de fundos, alguns bailarinos chegaram a pedir auxílio em semáforos de trânsito. Viajávamos no aperto, mas viajávamos. Até agora.

O Festival Internacional de Joinville é o maior festival de dança do mundo – de acordo com o Guiness Book. No mês de julho, a cidade inteira pára e respira dança. Joinville é a única cidade do mundo que abriga uma sede filial da maior escola de ballet do mundo, o Bolshoi. Mais uma vez, o trabalho do grupo Rota Brasil foi reconhecido. Foi o único do Distrito Federal a ser classificado para a competição na categoria avançada. E corre o risco de não poder representar o DF por falta de verba.

Dessa vez, barracas, apresentações, semáforos e tantas outras tentativas não foram suficientes. O dinheiro arrecadado não é o bastante para bancar o ônibus que levará o grupo ao festival. Se não comparecermos à competição, ficaremos impedidos de tentar competir por três anos consecutivos. O olhar dos bailarinos é de desolação. Por não conseguir apoio, corremos o risco de perder a chance de dançar no maior festival do mundo. A emoção, o frio na barriga, o corpo arrepiado, o sorriso costurado no rosto, tudo isso será vetado, por falta de apoio.

Como eu disse no início da carta, esse é um pedido de ajuda. Queremos muito viajar. Mas precisamos de apoio. Qualquer ajuda será bem-vinda, dinheiro ou ônibus. Acredito que deu para perceber que fazemos de tudo para dançar. Dessa maneira, nos colocamos a disposição para auxiliá-lo, de todas as formas que estiverem ao nosso alcance, em troca de apoio.

Atenciosamente,
Thandara Bomfim Yung
Bailarina do Grupo Rota Brasil.

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